sexta-feira, 20 de maio de 2016

Uma road trip renascentista




tive que cortar o resto da capa porque é sofrível

Gabriella Mondini é uma médica nascida e criada em Veneza. Vive apenas com a mãe, pois seu marido morreu e seu pai, também médico, partiu em uma busca por curas e medicamentos há dez anos, da qual nunca mais voltou. Até aí nada demais. Acontece que Gabriella vive na Veneza do século XVI, em pleno Renascimento, onde uma mulher que exercia a medicina era praticamente uma heresia.

Ela só foi permitida tal ousadia por conta do respeito que todos tinham por seu pai, um médico brilhante. Mas quando sua partida completa dez anos, a Guilda dos médicos decide dar um basta nisso, exigindo que ela tenha o aconselhamento de um homem caso queira continuar exercendo a profissão. Por conta disso, Gabriella decide partir em busca de seu pai, o único que estaria disposto a tal feito. No caminho ela pretende terminar O Livro das Doenças, um almanaque de doenças e suas respectivas curas que ela e seu pai começaram a compilar antes que ele partisse. 

O Livro da Loucura e das Curas já me ganhou pelo nome que, venhamos e convenhamos, é maravilhoso. Quando soube dessa premissa interessantíssima, foi amor instantâneo. Afinal, como deixar passar uma road trip renascentista encabeçada por uma médica?! Infelizmente, a  leitura acabou me decepcionando um pouco, e eu vou contar pra vocês o por que. 

Gabriella e seus criados viajam através da Europa atrás de pistas do pai dela, que ela vai tirando das cartas que ele lhe enviou durante o tempo que esteve fora. Em determinado momento, suas palavras dão a entender que ele possa estar doente ou perdendo a sanidade. Portanto, Gabriella está correndo contra o tempo para conseguir alcançá-lo antes que ele se perca de vez. O problema é que, conforme ela vai avançando pelos países e lugares que ele visitou, bem como conhecendo seus amigos e aqueles que o ajudaram durante a viagem, fica bem claro para o leitor o por que dessa viagem repentina e também por que ele parou de responder. Os próprios criados parecem saber o que estava por trás daquilo tudo, mas é claro que, nossa querida protagonista, mesmo sendo uma fucking médica (ou seja, no mínimo um pouquinho inteligente), é a ÚNICA que não percebe o que afligia seu pai. Sinceramente não sou obrigada.

O livro é intercalado por diversos tipos de narrativa: as cartas do pai de Gabriella, a narração da viagem que ela faz, que podemos considerar um diário e, ainda, partes do tal livro das doenças que ela vai escrevendo no decorrer da viagem. Confesso que em nenhum momento achei essa uma boa opção por parte da autora. No começo da leitura, fiquei confusa com todos aqueles diferentes tipos de texto se misturando nas páginas do livro. E tão logo me acostumei, já estava exausta disso tudo, só queria saber da história principal. A descrição das doenças e suas curas é até interessante, porque elas vão desde as coisas mais esdrúxulas, que você nem acredita que são verdade, até coisas que acontecem até hoje e nós realmente reconhecemos como doenças. Mas o mais interessante são as doenças que nós classificamos como outras coisas, como por exemplo, a melancolia. Para ilustrar, transcrevo abaixo o que ela diz sobre a inveja (!):



“Inveja – Um verme invisível que consome o coração
No campo, dizem que a doença fica dormente por muitos anos nas tripas do javali e tem sua origem nos cadáveres sem repouso que esses animais desenterram para comer durante o inverno, quando há escassez de nozes do carvalho na floresta e nada mais para comer. Os corpos não tiveram o devido descanso. São os assassinados ou perdidos, os famintos ou os loucos que traçaram seus caminhos em direção aos matagais da morte e não puderam ser resgatados. Crianças indesejadas deixadas na floresta. Prostitutas que se degeneraram. (...) O porco do mato funga e devora essa carne humana semicongelada em decomposição. Mas o rancor não se dissolve no poderoso estômago do suíno. Ele permanece nas dobras que se transformarão em salsichas. As tripas do intestino do porco no armário do duque ou na despensa do camponês estão repletas da inveja que os mortos têm dos vivos e que não pode ser mitigada. (...) A cura é difícil de ser conseguida, pois poderá levar muitos anos e frequentemente as pessoas acometidas pela inveja não estão dispostas a persistir. (...) Outros preferem a ferocidade da inveja às dificuldades de suas próprias vidas. Como o bispo de Wirtenberg, que certamente inveja a sabedoria das mulheres, os invejosos amam fervorosamente sua doença, arruinando a alegria que não conseguem ter.“


É por essas e outras que o livro se torna extremamente cansativo. A viagem é muito longa (logo, o livro também o é) e eu, como leitora, me sentia cansada por eles, sempre subindo e descendo montanhas, navegando por mares revoltos e até montando camelos, quando, por fim, a viagem chega ao Marrocos. Tudo isso acaba custando demais aos personagens, o que foi uma pena e acabou me deixando ainda mais frustrada com essa teimosia de Gabriella. Todo esse apego com o pai é simplesmente TOO MUCH e acaba cegando-a para aquilo que sempre esteve bem ali na sua frente: Olmina e Lorenzo. Com uma relação tumultuada com a própria mãe e ausência do pai, ela se sente quase que uma órfã. Mas é só durante a viagem que ela vai perceber que seus criados, que perderam uma filha assim que nasceu, a tratam e consideram sua própria filha. Ou seja, toda a admiração que eu tinha pela personagem lá no início foi murchando pouco a pouco, devido a sua cegueira e teimosia.

O que me deu forças para continuar a leitura foi tanto a curiosidade de saber que fim levou o pai de Gabriella, quanto a de aprender mais sobre a cultura da época e as particularidades de cada lugar que ela visitou. Podemos acompanhar, por exemplo, uma seção de dissecação, daquelas que vemos em diversos quadros holandeses da época. Foi um choque saber que músicos acompanhavam esse processo com suas melodias! E, em se tratando de uma protagonista mulher, o machismo da época se torna gritante em seus relatos. Vemos as diferenças do convívio das mulheres nos locais por onde ela passa. Na Itália, por exemplo, as mulheres tomam chá dentro de casa; já na Alemanha, existem tavernas feitas especialmente para atender as mulheres.

O domínio de diferentes religiões também é apresentado e, é claro, suas consequências são maiores para as mulheres, principalmente em regiões protestantes. Gabriella passa por cidades em que simplesmente não existem mais mulheres (na Alemanha), raptadas pelo medo da bruxaria, bem como por universidades praticamente sem nenhum livro, queimados pelos religiosos (os Huguenotes).  Ela também conhece diversas pessoas que lhe ajudam e compartilham seus conhecimentos com ela, até que por fim, ela chega ao Marrocos, local da última carta de seu pai.

O final foi, no mínimo, decepcionante. Apesar de eu ter sacado do que se tratava a tal doença do pai lá no primeiro capítulo, fiquei desapontada com o modo como a autora lidou com ela. Poderia ter sido algo muito mais grandioso e interessante, mas acabou sendo simplesmente meh. Fora que o epílogo é sofrível, visto que Gabriella, que durante todo o livro estava sempre afoita e atordoada, mal parece ter sentimentos ou emoções. Acabou parecendo preguiça da autora, que depois de escrever TANTO não aguentava mais essa história tanto quanto nós, leitores.

O Livro da Loucura e das Curas é uma leitura que vale a pena pelo conhecimento e curiosidades que traz sobre o Renascimento, a Europa e até um pouco da África. Mas acaba sendo cansativa e enfadonha por conta de uma protagonista que prometia tanto, mas acabou entregando bem pouco. Ás vezes apenas uma boa ideia não é o suficiente.


quarta-feira, 4 de maio de 2016

Me & Mrs. Jones

Eu tenho algumas músicas que procuro escutar todas as versões possíveis. Your Song é o melhor exemplo disso. Escutei a versão do Billy Paul faz bastante tempo e sou completamente apaixonada (não sei porque não coloquei no meu post sobre a música...).  Ele dá um tom tão alegre e triste ao mesmo tempo para a letra e mostra o quão maravilhoso é:



Então, infelizmente, o cantor faleceu recentemente e resolvi escutar novamente suas músicas. Ele sempre foi aquele cantor que eu sabia que era maravilhoso, mas nunca me aprofundei, só escutava algumas músicas. Sou apaixonada pela música Soul e o R&B e o cara era um gênio nesse campo.

Me & Mrs. Jones é uma das músicas preferidas que conheci por causa do Michael Bublé, mas nunca soube quem era o cantor original! Billy lançou a música em 1972 e se tornou número 1 pela Billboard Hot 100 da época. Escrita por Cary 'Hippy' Gilbert, Kenny Gamble e Leon Huff, conta a história de um affair entre o cantor e a Mrs. Jones, que sabem que isso é errado, mas continuam se encontrando no mesmo café, no mesmo lugar e no mesmo horário.




Billy Paul em 2014

A versão do Michael Bublé fez um enorme sucesso e se tornou o segundo single do seu terceiro álbum de estúdio. A sua namorada da época, a atriz Emily Blunt, fez uma participação na música cantando o último verso.



Amo essa música, a letra conta uma história tão pessoal e que o autor sabe que está errado, mas continua fazendo isso, quem nunca, não é mesmo? Pode até não ser nesse contexto, mas você se identifica com a questão do conflito da letra.

Ah, procurem músicas do Billy Paul, ele era um ótimo cantor com uma voz fenomenal, precisa ser conhecido e lembrado por todos! 




domingo, 1 de maio de 2016

Meryl Streep pode tudo



Ricki é vocalista da banda de rock The Flash. Até aí nada demais, não é mesmo? Acontece que Ricki já é uma senhora pra lá dos 50 anos de idade e é a única mulher da banda, formada por caras igualmente ~maduros~. E como se não bastasse, Ricki é interpretada por nada mais nada menos que Nossa Senhora Meryl Streep. Wow.

 
Ricki and The Flash conta a história dessa moça que trabalha como caixa de mercado de dia e segue o sonho de ser uma rockstar à noite, tocando em bares com sua banda. Eles tem um público cativo, mas não chegam nem perto de ser uma grande sensação da música. Tudo vai bem até o dia em que Ricki recebe uma ligação de seu ex-marido pedindo que ela vá ver a filha, que acaba de se divorciar do marido. E é aí que tudo começa.

Chegando na casa do ex, Ricki se depara com uma filha completamente crescida que ela não via há anos e absolutamente devastada. Seu ex-marido a chamou porque não sabia mais o que fazer. Aos poucos Ricki vai percebendo que o divórcio foi apenas a cereja do bolo e o buraco é bem mais embaixo quantas analogias, ao mesmo tempo em que tenta se reaproximar dos filhos e fazer as pazes com o passado.

slay queen
Quando eu ouvi falar que Meryl Streep ia fazer uma roqueira veterana no cinema eu pensei “bom, Meryl Streep pode fazer qualquer coisa, não é mesmo?”. E depois comecei a imaginar como seria o filme, achando que contaria a história de uma banda qualquer, regada a muito sexo, drogas e, claro, rock’n roll. Mas como eu estava enganada. Ricki and The Flash vai muito além disso.

Conforme vamos entrando na vida de Ricki e de sua família, algumas coisas vão se encaixando, como o porque de seus filhos a odiarem, como ela se sente em relação a isso e também o que está realmente acontecendo com Julie, sua filha (interpretada por Mamie Gummer, filha de Meryl Streep na vida real também). É muito bonito e doloroso ver Ricki tentando criar algum tipo de relacionamento com os filhos, que a desprezam por tê-los abandonado quando crianças para ir atrás de seu sonho.

olha esse filho da Ricki.........
Ao mesmo tempo, você meio que entende o ponto de vista deles, visto que ela deliberadamente escolheu não estar presente em momentos importantes de suas vidas. Porém, Ricki levanta um ponto importante: o que se espera de uma mãe e, consequentemente, da mulher. Mick Jagger tem uma penca de filhos e mesmo assim é um rockstar. Mas será que as mães desses filhos tem o mesmo direito? É claro que não. Ricki foi condenada por seus entes queridos por fazer aquilo que tantos homens fizeram antes dela sem causar nenhum reboliço.

Eu achei interessante como o filme começou de uma forma sutil, parecendo exatamente o que eu esperava que ele fosse ser, e de repente foi crescendo, crescendo até o ponto em que tudo explode na sua cara e você fica lá sentindo all the feels. E isso tudo sendo sensível e engraçado ao mesmo tempo. Eu acabei gostando muito mais do que se tivesse sido só mais uma história de banda, o que me surpreendeu. 

 
Mas é claro que a música também está lá. Meryl Streep tem uma voz divina (sinceramente, alguém ainda tinha dúvida??? Essa mulher é uma deusa) e mesmo que por algum acaso do destino você não goste do filme acho difícil, mas vai que, tenho certeza que vê-la cantando Bad Romance (!!) vai valer a pena.

Ricki and The Flash é uma história sobre música. Também é uma história sobre amor, perdão e sobre seguir os seus sonhos. Mas acima de tudo, é uma história sobre família.